De Fátima em Missão na América Latina: Brasil

DONOS DO CÉU

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Nem tudo é coca


Cheguei duma experiência linda, edificante, por vezes arriscada e aventureira nas zonas bem quentes do ainda presente terrorismo do Sendero Luminoso. Cidade de Uchiza, e toda a zona das plantações de coca que o exército Americano tem continuamente vigiada. Helicoptros sobrevoam e monitorizam com sofisticados instrumentos modernos.
Percorremos centenas de km. Mas aqui, nestas zonas tem que se calcular em horas, porque as estradas ora são de pó ou de lama até dizer chega. Viajamos de carrinha Toyota 4x4. Pelo caminho muitas aventuras!
O calor húmido, as chuvas diluvianas, e as peripécias fazem juntar o almoço ao jantar com uma garrafinha de água e umas frutas que casualmente se encontram....
Pelo caminho um furo.




Roda suplente vazia... Esperar uma hora primeiro que alguém parasse e desse uma boleia. Subir a uma camioneta e sentar-se em cima do pneu furado. Andar cerca de 15 Km aos pulos....uma hora e meia depois chega-se à "botega" do “jantero”


Voltar para trás e mais duas horas até chegar
Não é preciso participar nas 24h de Frontera, ou em qualquer etapa do Dakar....., basta estar por estas terras e necessitar de ir de um lugar a outro. Mínimo .....horas e horas nas estradas completamente esburacadas! Melhor com chuva...aí vê-se melhor os buracos! Alguns 'Pueblos' e o mais é plena Selva.


Pelo caminho uma pequena aldeola. Uma escola, muitas crianças e jovens com as suas fardas que são obrigatórias pelo estado...
Sobem 3, depois mais quatro.....mais tantos!
Vivem a dez km e, pelo caminho encontramos mais... Dentro algumas meninas mais novas... mas não dava para todos. Sobem atrás! Tive a ousadia de os contar: 21.

Atravessar um largo rio não há problema!
Nisto os peruanos sabem desenrascar tudo e todos como se pode ver nas imagens.



Após uma permanência pela zona da Selva, o regresso aos subúrbios desta cidade de Lima. Não sei se é preferível a pobreza das zonas rurais, ou a miséria suburbana desta cidade fantasma com os seus 140 mil habitantes... Há de tudo, é certo; mas certamente muito menos pão para cada dia! Não há recursos económicos, “plata” como dizem aqui para o famigerado dinheiro, que consiga fazer com que cada criança, jovem ou idoso tenha o suficiente para alimentar-se e viver dignamente!
Ultimamente com o gradual aumento dos preços da comida em geral, as coisas estão mais difíceis.
Estamos a atravessar uma crise de alimentos.
Aqui no Peru, um saco de arroz de 50Kg passou de 80 soles (20€) para 130 soles (32€). Isso significa logo (porque se come muito arroz uma vez que é a base da alimentação juntamente com as batatas) que há mais miséria. Acabei de comprar com ofertas do Centro de Solidariedade de Fátima, e com a reforma da minha mãe deste mês de Maio, 10 sacos desse arroz.
(Mal ela sabe que os seus míseros euros que recebe podem alimentar centenas de crianças durante semanas....)
Consegui mais barato lá pela Selva onde estão os nossos colegas Monfortinos. Estou agora à espera que chegue aqui o carregamento que vem direitinho para distribuir aos mais necessitados e uma parte também para os nossos seminaristas...

Visitei de facto um “moinho” descascador de arroz, e a tentação foi muito grande...! Pensei logo de imediato em poder comprar muito mais, mas tudo o que tinha comigo ficou lá....


Uns momentos antes tinha visitado um local onde comiam 148 crianças do 1º ciclo.
Vinham à escola e depois por 0,25€ (quase grátis) tinham direito a um prato de arroz com batatas e pedacitos de carne de cuye (coelhos/porquinhos da Índia) neste enorme refeitório público da nossa Paróquia.




Era a antiga igreja, que depois de ter sido feito o novo complexo paroquial, deu lugar ao “Comedor” público É sustentado na totalidade pela Paróquia de Uchiza.




Esta cidade (vila), já foi um bastião da droga. Coca.
As poucas estradas em condições, eram usadas pelas avionetas dos traficantes para aterrar e descolar e assim levar milhares de kg desse pó. Construíram-se muros/barreiras laterais em cimento à estrada principal para que não pudessem ter campo para o fazer, mas depois as mesmas estradas deterioraram-se de tal maneira que tudo ficou mais abandalhado!


As plantações desta imensa zona, foram todas destruídas pelos americanos. Há uns quinze anos atrás testaram com produtos químicos modernos acabar com a coca, e com essa “praga” conseguiram fazer secar quase toda a vegetação. Aviões pequenos sobrevoavam diariamente os montes e vales deixando cair do céu um pó amarelado que em poucos dias, com a chuva fazia secar as plantações pela raiz. Resultado: durante anos nada crescia nessas zonas. O que crescia não desenvolvia nada. As árvores de fruta, sobretudo as bananeiras, as hortas em geral não desenvolviam como antes. As pessoas abandonaram estas terras.

Houve muita fome porque as terras nada produziam, muitíssima gente morria com doenças cancerosas.

Ter uma doença aqui no Peru, equivale a ter uma sentença de morte! Não há posses para ir ao médico.


Chego a pensar quanto seria bom o nosso Bom Deus permitir que durante três anos ninguém pudesse ficar doente.

Ser totalmente proibido ter qualquer tipo de enfermidade, até a mínima dor de barriga.... para assim os governos da América Latina e também do Peru, poderem construir os hospitais e centros necessários para assistir esta pobre gente....! Assistência para todos!
Assim o meu amigo Juan Vítor não teria de esperar dez anos por alguém da Europa, para poder“desligar” o seu braço das queimaduras que sofreu quando tinha 3 anitos...

Assim aquela criança que tinha febres altas há quatro dias não teria ficado nos braços de sua mãe, com receio desta gastar o que nem sequer tinha para gastar com ela...!

Assim o Artur de doze anos não teria sido encontrado pela irmã mais nova na cama ...e que não queria acordar... depois de não comer nada ao fim de uma semana porque vomitava tudo! “Padre foi o vómito...”

Assim aqueles três petizes de 10 anos não estariam depois da vigília de Pentecostes à uma da madrugada a dormir com fome em cima de cartões numa esquina... com uma lata de cola de contacto quase vazia ao lado!

Assim o rosto triste da Kandy já não seria mais a mesma triste Kandy ! Teria o carinho de uma mãe e não as bofetadas e desprezo duma madrinha que nunca chegou a ser gente...

Assim as roupas rotas e/ou remendadas de alguns jovens desta pobre América... seriam também a modas dos meninos ricos de hoje...!
Estamos a sair desta fase, havia medo do terrorismo, agora há medo da vida como da morte.... tudo é muito lento. Para chegar a Uchiza há que percorrer inúmeros obstáculos.
As estradas são de terra e lama como já vos contei antes.
Não há progresso porque os interesses são variados.
O que a mãe natureza dá...




Encontramos todo o tipo de frutas exóticas.
De facto não interessa desenvolver uma terra que alimenta “barões” e “tubarões”...
Dos cerca de 120 mil habitantes que chegou a ter, bem dois terços fugiram para outras paragens . Agora pouco a pouco as pessoas estão a voltar, contudo a abundância do fácil lucro que as plantações de coca dava; deu lugar á mais nobre miséria franciscana! Há muitas crianças. Muitas delas órfãs de pai, ou porque foi morto pelos terroristas do Sendero Luminoso, ou porque o azar lhes bateu à porta, agarrados e mortos nas prisões...! Há uma certa impunidade, e isso leva ao desaparecimento de pessoas sem que se procure culpados.... pois de nada serviria saber que foram os narco-traficantes quem mandara eliminar...
Todos vivem secretamente ainda do mesmo, e a sorte está mesmo em não ser morto!
Os grandes não estão aqui. As autoridades civis e militares convivem graciosamente! Não há vontade de cooperar para melhorar a vida do pobre. As estradas é bom que fiquem assim porque ...demora mais tempo a chegar alguém que não tem interesse algum em fazer cumprir a lei , mas beneficiar do mesmo ganha pão de todos: A droga. De três em Três meses mudam a “tropa”, para não haver compadrio... mas sabendo isso, há que aproveitar então ao máximo... e fazem-no!
Nós fazia-mo-lo com rosários!
Tudo se compra e obtém com contrapartidas! Creio que nas 6 ou 7 vezes que nos mandaram parar, demos mais da 50 terços! Mas claro que já sabíamos que precisávamos, por isso levamos tantos!

3 comentários:

  1. Caro Amigo Padre Luís,

    Ao lermos a sua mensagem, não pudemos ficar indiferentes ao seu conteúdo.
    Como podemos contribuir para o Senhor Padre comprar uns sacos de arroz para essa gente, principalmente para as crianças ?
    Através do Centro de Solidariedade em Fátima ? Fazendo transferência bancária para alguma conta ? Diga-nos como fazê-lo.
    Creio que também outros dos peregrinos da Maia desejam fazer uma contribuição para o ajudar nessa sua missão.
    Um abraço amigo do José Morais e da Maria do Carmo.

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  2. Olá,Pe.Luís
    A muito que não dava noticias, mas dá pra ver que continua empenhado nessa nobre missão,que é ajudar quem mais precisa.
    Ao ler o seu blog,dei por mim a pensar:como é injusta a vida,há tanta gente a passar fome, sem ter que vestir,calçar,etc.E nós posso me incluir também,Graças a Deus temos tudo,e quantas vezes dizemos:não sei o que comer,se a mãe faz carne devia ter feito peixe,se fez arroz,devia ter sido batata,quanto a roupa,antes de se sair de casa já temos vestido não sei quantas mudas de roupa,enfim...
    As crianças essas então tem tudo e ainda não estão satisfeitas,por falar em crianças,na catequese com os meus meninos,(as)tenho falado com elas nessa sua missão ai por o Peru, elas perguntam como é possivel? Mas não ficam indiferentes, tambem quem poderia ficar? Vou continuar a rezar por si,que Jesus e Sua Mãe,o ajudem,lhe dem aquilo que voce mais deseja.bjh desta grande amiga

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  3. Não podemos mesmo ficar indiferentes e queremos fazer a diferença, pior cego é o que não quer ver, diga por favor como podemos ajudar.
    O Sr. transcreve tão bem a situação que mesmo sem imagens era como se por momentos estivessemos aí também...
    Por favor diga a forma mais fácil e célere de ajudar todos.
    Que Deus os proteja a todos.

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Ecos das minhas pegadas.
Para estar mais perto.