De Fátima em Missão na América Latina: Brasil

DONOS DO CÉU

sábado, 15 de novembro de 2008

Dívida no Hospital


Das muitas situações que se apresentam dia a dia neste contexto social em que se vive e sobrevive no Peru, e mais concretamente nestes subúrbios da grande Lima, há uma em particular que desejo partilhar hoje convosco. Sinto-me muito limitado... e com profundo sentido de impotência diante de realidades concretas que me ultrapassam e em que me fazem viver uma angustia daquelas que só o silêncio, a oração a Fé e a Esperança ; (e não pode faltar nenhuma delas), dão coragem para poder dar mais ânimo em aceitar o que o Bom Deus nos dá.


Há uns tempos atrás a Irmã Lucia chamou-me para visitar uns doentes. Fui.É apenas uma de tantas. Da visita que fiz neste grande bairro da Era, havia, pois a necessidade de uma presença diante da doença e da enfermidade que só o sacerdote pode dispensar nos sacramentos da Confissão e Comunhão que a Fé nos oferece para o bem das almas! Depois da visita aos vários doentes que vivem em quase extremo abandono e indigência; chegamos a casa por volta das do meio dia, sempre neste imenso deserto de pedras e terra negra, lugar onde vivem as irmãs da Sabedoria. Estava à nossa espera uma senhora que previamente tinha sido informada que eu devia passar por ali. Foi-me dito que ela estava um bocado em baixo... Depressão, etc. ..! Conversamos na capela das irmãs e a senhora (mais ou menos uns 35 anos) tinha problemas gravíssimos em família, e não só, mas sempre vivia com os seus quatro filhos, e com o marido que se ausentara por trabalho e vem de vez em quando com algum dinheiro. Rebeka era o seu nome. As dificuldades levaram-na ao extremo das forças, da coragem e das possibilidades. Para conseguir ir pagando a já grande divida da mercearia, e ainda ao necessário para cada dia, ela sai de casa às 6 da manha para regressar à noite pelas 9h. As crianças levantam-se sozinhas e partem para a escola. Ficam o resto do dia só em casa e pelas ruas.

Ontem à noite duas crianças, uma de uns 3 anos e uma outra de 9, vieram bater-me à porta.A mais velha falava-me que me conhecia, mas nem sei se por ser noite ou pelo abandono em que estavam... Não as conheci de lado nenhum! Perguntei de onde eram, e a maior que era a que falava, disse que era do bairro da Era. Deixei-a falar e, vinha para me pedir ajuda para conseguir trazer a mãe do Hospital. Perguntei como se chamava a mãe, e a resposta foi: Rebeka!Que calafrio que senti....!

Vinha pedir 100 soles (25€) que se deveriam levar ao Hospital para a mãe poder sair pagando as despesas. Só assim podia ter alta,.... pagando e saldar a divida do internamento!

Perguntei que tinha a mãe. Disse-me que ela estava com a menstruação, e um coágulo de sangue maior fez perder demasiado sangue e ela não passou bem. "Eu vi que na bacia estava uma coisa negra com muito sangue e até tive medo e chorei muito". (...) (...)
Neste momento fui buscar uns chocolates e uma boneca (tipo prima da Barby) que tinha sobrado da chocolatada....
Levantei o animo, e soube ainda que já há quatro dias que estão sós. A mãe já pode sair, tendo de pagar 140 soles que não tinham...
Com 9 anos... e a outra pequenina de uns dois ou três!? Creio que foi um aborto espontâneo... mas para uma criança se aperceber de toda a situação, das dificuldades que havia ...é verdadeiramente da herói. Certamente por iniciativa sua, saiu de casa com a mais pequena e veio por aí... Em busca de uma mão amiga! Vieram uns 3 km a pé para bater à porta e falar comigo. Não sei quem lhe disse onde vivia. Era longe e era noite.
Duas irmãs mais que menores..., mais que pequenas! Mas também mais que grandes na coragem...! Mais que grandes na responsabilidade e audácia de recorrer e caminhar em socorro e auxilio de uma presença que lhes faltava...! E, tudo... para poder ter a mãe em casa.
_______________________

Escrevi estas linhas no inicio desta semana, e hoje falei com a Irmã Lucia. O que realmente se passou foi exatamente como tinha tristemente imaginado. Um aborto expontâneo. No Hospital tiveram que fazer uma limpeza interna dos resíduos que ainda permaneceram. Tinha cinco meses. Extremamente debilitada e cheia de dores, depois de ter perdido muito sangue; agora a recuperar das forças, e de cama, ali está em casa junto dos seus filhos.

(As fotos desta secção não dizem respeito ao argomento)

1 comentário:

  1. Ourique, 20 de Novembro de 2008-11-20

    Meu Padre Luís, meu amigo.

    São 6 horas e 15 minutos em Ourique, nesta hora tudo é silêncio à minha volta.

    Olhando através da janela ao fundo do corredor vejo as luzinhas brilharem espalhadas pelos montes ainda um pouco na escuridão da madrugada. As estrelas ainda brilham no céu.

    Ao longe ouve-se um galo cantar, como que a anunciar daqui a pouco o despertador do dia.

    Recordei o meu amigo e fiz por si a habitual oração.

    Oração, pedido e agradecimento.

    Pedido para que a Nossa Senhora o acompanhe e proteja sempre e em todos os momentos da vida, agradecimento por Deus lhe ter dado saúde e oportunidade de ajudar os seus “ donos do céu”, que mesmo sem os conhecer, também, os amo.

    Li com muita emoção o que escreveu sobre o tema “ com apenas 9 anos, trazer a mãe para casa”

    Chorei com pena das crianças e ao mesmo tempo senti por si um carinho, sem limites e um orgulho de o ter como amigo. Obrigada, meu Deus, por teres ajudado o Senhor Padre, para ele ter podido ajudar tanta gente!...

    Obrigada por me ter levado, a esse país distante.

    Vivi ai, também, estes longos meses.

    Sei que parte deixando ai uma parte de si…

    Todos os dias o recordamos com muita saudade.

    Com muito carinho, um beijinho Maria

    Até daqui a dias

    ResponderEliminar

Ecos das minhas pegadas.
Para estar mais perto.